Portas inusitadas para o Evangelho estão se abrindo em duas das nações que mais impõem restrições á fé cristã. Na China, celebrada por seu espetacular crescimento econômico, embora permaneça avessa à liberdade religiosa, e na ultrafechada Coreia do Norte – um dos últimos refúgios mundiais do comunismo ateísta –, é através do ensino superior que a Palavra de Deus ganha espaço. Universidades licenciadas pelo Estado, cuja administração e corpo docente são formados predominantemente por cristãos, estão colaborando para mudanças ainda pequenas, mas significativas. Através delas, por exemplo, cidadãos ocidentais podem entrar e sair livremente por fronteiras antes praticamente intransponíveis, levando consigo a Palavra de Deus. E tudo tem acontecido graças à iniciativa de empresários e intelectuais com forte senso de missão – tanto a educacional quanto a espiritual.
A poucos quilômetros da fronteira entre os dois países, no lado chinês, funciona, há 20 anos, a Universidade Yanbian de Ciência e Tecnologia (Yust, na sigla em inglês). Ela está localizada em Yanji, região com grande concentração de coreanos. Fundada pelo empresário James Kim, que tem cidadania americana e coreana, a instituição tem visto o número de estudantes crescer bastante nos últimos anos. Acusado, em 1998, de ser espião a serviço dos Estados Unidos, Kim escapou das ameaças de morte e hoje goza de respeito por parte das autoridades norte-coreanas. Seu maior desejo era o de fundar uma filial da universidade do lado de lá da fronteira. Há três anos, esse desejo tornou-se realidade, quando Kim, juntamente com administradores e conselheiros internacionais, fundou a Universidade Pyongyang de Ciência e Tecnologia (Pust), na capital do país.
A abertura de uma universidade privada no país mais refratário ao livre mercado é algo inédito, e pode ser considerado um milagre. A Pust cresce em ritmo acelerado, e à semelhança de sua congênere chinesa, tem corpo docente e funcionários majoritariamente cristãos. Em 2010, a universidade tinha 160 alunos. Desde então, o número de matriculados quase duplicou, tanto nos cursos de graduação como nos de pós. Além de engenharia elétrica e de informática, gestão internacional, agricultura e ciências humanas, a instituição planeja abrir cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de saúde pública, direito e engenharia mecânica. Kim montou uma sólida rede de colaboradores, quase todos cristãos, como o lorde britânico David Alton; Malcolm Gillis, ex-presidente da Universidade Rice e atual co-presidente do conselho de Pust; e Peter Agre, vencedor do Prêmio Nobel de Química e diretor do Instituto de Pesquisa de Malária Johns Hopkins. O reitor de Yanbian, Chan-Mo Park, já presidiu Universidade Pohang de Ciência e Tecnologia, prestigiada instituição norte-coreana.
Essas duas universidades irmãs estão se aproveitando de uma tendência crescente da educação superior global – a grande demanda por professores universitários falantes da língua inglesa. Daryl McCarthy, presidente do Instituto Internacional de Estudos Cristãos (IICS), diz que há, hoje, muitas oportunidades para que acadêmicos cristãos deem aulas no exterior: "Estive reunido com dezenas de autoridades de universidades públicas ao redor do mundo que, muitas vezes, imploraram para que professores viessem ensinar em suas instituições". A organização que ele dirige empregou docentes em universidades públicas de 23 países.
AMIZADE E EVANGELISMO
Há muitos anos, Ray Lewis, um professor de biologia da Universidade Wheaton (EUA), conheceu Joshua Song, que trabalhava, na época, como professor auxiliar de física. Song, que também era professor da Yust, apresentou Lewis a vários estudantes daquela faculdade, inclusive a um aluno de graduação que havia se convertido ao cristianismo quando frequentava as aulas na Yanbian. As histórias que Song compartilhou com esses alunos chamaram a atenção de Lewis. Em 2011, o professor de biologia decidiu passar um período sabático na Yust junto com sua mulher, embora nenhum dos dois falasse coreano ou mandarim. Encontrou uma realidade totalmente nova e desafiadora. Vindo de um campus onde era normal iniciar as aulas com devocionais e reflexões bíblicas, ele agora se encontrava em um ambiente onde era obrigado a assinar um contrato pelo qual se comprometia a não evangelizar os alunos. Em Yanji, na China, a única opção que tinha para frequentar cultos era um serviço realizado em um crematório reformado.
Durante o dia, Lewis dava suas aulas de genética numa turma de uns 30 alunos, inclusive chineses e coreanos que apresentavam níveis variáveis de proficiência na língua inglesa. "Alguns deles nem deveriam estar ali, já que as aulas eram dadas em inglês", lembra. Teve, então, uma ideia. Resolveu convidar os estudantes para irem até sua casa jantar e desenvolver conversações em inglês. O interesse foi grande, e nessas ocasiões, o professor e sua mulher faziam pequenas reflexões bíblicas, tanto na língua inglesa quanto em coreano. Apesar das restrições existentes para testemunhar sua fé, Lewis e outros professores crentes da Yust conseguiam muitas vezes desenvolver relações de amizade com os alunos, o que acabava trazendo oportunidades para eles falarem de Cristo. O estudo bíblico doméstico incluía dois alunos coreanos, dois chineses e um outro professor.
Uma vez que se tornaram ainda mais próximos, essas aulas de idiomas se transformaram em verdadeiros estudos da Palavra de Deus. "Nós líamos as passagens bíblicas em voz alta. Eu explicava um pouco em inglês e o professor explicava depois em coreano". Devido à profundidade de seu relacionamento com os estudantes, Lewis era capaz de adequar o tema das aulas às suas vidas pessoais. "Além da tradução das palavras, nós tentávamos transmitir o significado das passagens que líamos, fazendo com que eles entendessem quem é Jesus Cristo e o que significa segui-lo.", explica Lewis. As reuniões terminavam com orações. Naturalmente reservados, os alunos orientais raramente perguntavam alguma coisa, mas estavam sempre dispostos a ouvir e aprender mais.
Com o tempo, outros professores crentes da faculdade também recebiam os estudantes em suas casas. Ficou logo evidente que, desde que fossem cuidadosos e não organizassem cultos mais explícitos, não seriam incomodados. "Se não realizarem batismos na banheira dos dormitórios e evitarem reuniões abertas, algo que as autoridades não poderiam ignorar, eles provavelmente não terão problemas", afirma o professor Daniel Bays, especialista em estudos asiáticos.
Não por acaso, a Coreia do Norte tem sido um grande foco dos cristãos no mundo inteiro há muitas gerações. Dominado pela ditadura hereditária implantada por Kim Il-Sung desde a fundação do país, em 1948 – quem está no poder agora é seu neto, Kim Jong-um –, a Coreia do Norte já nasceu comunista, com resultado da partilha do poder mundial entre as potências ganhadoras da II Guerra Mundial. Após um conflito que, oficialmente, ainda não terminou com a vizinha do sul, o país mergulhou num período de terror e miséria como vassalo da extinta União Soviética. Um número indefinido de cristãos foram mortos por causa de sua fé e pelo menos 3 milhões de pessoas sucumbiram à fome decorrente da pobreza e do isolamento mundial imposto pelo regime, que impede até a chegada de ajuda humanitária. O evangelismo tradicional é praticamente impossível e a missão Portas Abertas, dedicada à defesa da liberdade religiosa, classifica a Coreia do Norte como o país que mais persegue cristãos hoje.
"OUVIDOS NA PORTA"
Em um contexto como esse, os professores da Universidade Pyongyang de Ciência e Tecnologia lecionam dentro de um ambiente altamente estruturado e têm pouco contato com seus alunos fora da sala de aula. Segundo Bays, na China, um professor visitante que passasse dos limites seria deportado e os alunos envolvidos, chamados para uma conversa nos departamentos estatais de controle. Na Coreia do Norte, no entanto, a penalidade pode ser muito mais severa, incluindo a prisão do estrangeiro por praticar o cristianismo. "Pelo que já li a respeito, se você for pego em um pequeno grupo participando de um culto de adoração cristã, pode ser mandado para campos de prisão por vários anos", diz ele. É difícil levar informações para fora do país, uma vez que o governo central limita fortemente a comunicação com o mundo exterior, inclusive através de censura na internet. Há pouca consciência a respeito do sistema de ensino superior da Coreia do Norte. "Francamente, ninguém nos EUA tem uma sólida compreensão acadêmica sobre o que está acontecendo naquele país.", disse Bays.
Recentemente, as missões cristãs voltaram a focar nos norte-coreanos que vivem fora do país, principalmente naqueles que estão na China. A Yust acolhe a um pequeno contingente deles. "Eu sabia que havia alguns estudantes da Coreia do Norte", destaca Lewis. "Nunca tive a oportunidade de falar com eles, pois são muito fechados". Para piorar as coisas, a embaixada norte-coreana de Pequim se mantém atenta a seus cidadãos que vivem no exterior para se certificar de que não haja problemas. Contudo, o modelo de educação que James King implementou nas duas nações asiáticas mostra uma promessa para o futuro do evangelismo em países fechados para missões tradicionais. Apesar de esses governos serem avessos à religião, eles estão desesperados por ajuda, principalmente na área da educação superior. Um número cada vez maior de professores americanos está dando aulas no exterior. Mas não há uma quantidade suficiente de docentes qualificados, falantes do inglês, para suprir a demanda. "Há, portanto, uma grande oportunidade para professores, cristãos ou não, de lecionarem fora dos Estados Unidos", afirma Daryl McCarthy, do IICS. "Na Ásia e no Oriente Médio, esse desejo de falar inglês está impulsionando uma maciça explosão na educação. As principais publicações são em inglês, portanto essas pessoas precisam aprender a língua". As duas regiões ocupam grande parte da chamada Janela 10-40, imensa região imaginária do globo que abriga a maior parte da humanidade que não conhece a Cristo.
Apesar disso, e das iniciativas pioneiras das universidades fundadas na Coreia do Norte e na China, McCarthy acha que o imenso campo missionário, formado pelos mais de 100 milhões de estudantes universitários de fora dos EUA – que considera um grupo ainda não alcançado –, está sendo negligenciado. "Estamos percebendo que muitos acadêmicos cristãos preferem a segurança de lecionar em uma instituição cristã, ou até mesmo em uma secular dentro dos Estados Unidos. Eu até conheci gente que prefere trabalhar em lanchonetes a dar aulas no exterior. Muitos universitários são relutantes a mudar suas vidas e abandonar suas paixões acadêmicas para se dedicarem ao evangelismo em uma nação estrangeira". No entanto, ele acredita que sua missão seja educar as pessoas por inteiro, e não apenas a esfera espiritual. "Salvar as almas sem salvar as mentes não trará frutos em longo prazo", ele diz. "Somos, antes de tudo, universitários. Para nós, nosso ministério é ensinar, e fazemos isso porque esse é o nosso chamado. É isso que faz de nós um grupo de acadêmicos que pensam e vivem de maneira diferente".
Lewis vai na mesma direção e afirma que, para ele, o chamado é integrar a fé e o aprendizado, principalmente na Yust. "A missão é a educação", enfatiza. "O departamento onde trabalhei era todo formado por cientistas com Ph.D. Era, no entanto, totalmente conectado com os programas de evangelismo". Ele, agora, está buscando maneiras de estabelecer vínculos entre a Universidade Yanbian e a da Wheaton que também inclua os estudantes, e não apenas alunos. A Fundação Yust-Pust já funciona em Chicago, sob a liderança do professor Song. A ideia é adaptar o modelo até aqui bem sucedido para outras nações fechadas ao Evangelho. Porém, Lewis sabe que, sempre que o anúncio do Evangelho se torna um elemento presente no ambiente acadêmico, há uma série de pressões decorrentes disso – ainda mais em uma realidade de perseguição religiosa de fato. "Trata-se de uma pressão sutil; a pressão constante de saber que se está sob vigilância. Os e-mails e ligações telefônicas são monitorados", explica Daryl McCarthy. "Às vezes, as pessoas colocam seus ouvidos colados, literalmente, à porta para ouvir as conversas. Tem que haver sempre um equilíbrio entre a transparência e a discrição." (Tradução: Julia Ramalho)
Andrew Thompson é formado em comunicação na Wheaton College e foi estagiário na revista Christianity Today
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