Por Misael Nascimento
Pastores são, pelas peculiaridades da função, incompetentes. Desde 1987 tenho atuado na liderança de
comunidades cristãs, 7 anos como evangelista e plantador da Igreja Presbiteriana de Valparaíso, treze anos como pastor da Igreja Presbiteriana Central do Gama e, desde 2010, servindo ao Senhor na Igreja Presbiteriana de São José do Rio Preto. A cada dia que
passa, percebo que o pastoreio de igrejas é uma tarefa singular.
Primeiro existe a questão da vocação, do chamado específico.
Nenhum pastor autêntico escolhe o pastorado. O ministro da Palavra não é um
voluntário precipitado, mas alguém que recebe uma ordem superior, que lhe
domina o coração, que dirige as circunstâncias externas e que o orienta de
forma absoluta ao serviço cristão em tempo integral. Deus não aprova profetas
autodesignados (Jr 23.21). Nesse sentido, um pastor é diferente de um
engenheiro ou de um médico. Estes escolhem suas profissões — alguns desde a
infância ou adolescência — enquanto o pastor é escolhido, chamado e
direcionado. A vocação encontra, inicialmente, renitência, até o ponto em que
estabelece o alinhamento da vontade do homem com a vontade divina. Essa é a
primeira singularidade.
Segundo, quais são as atribuições de um pastor? O NT dirá que é orar, ocupar-se com a Escritura e
capacitar os crentes para que estes sirvam ao Senhor e cresçam em maturidade
(At 6.4; Ef 4.11-16). O termo poimenas,
“pastores” implica em supervisão do rebanho — o cuidado contínuo, zeloso,
preocupado com a saúde e bem-estar das ovelhas.
Assim sendo, parece que o NT focaliza muito bem as atribuições
pastorais. No entanto, deve ser observado que essa demanda não pode ser atendida por um só homem. Por isso, a
Escritura estabelece não apenas um líder, mas também uma equipe e,
por fim, uma comunidade de pastoreio. O pastor não pastoreia
sozinho, mas lidera um corpo regulado e suprido pelo Espírito Santo. De modo
abrangente, todos os crentes são responsabilizados pelo
cuidado uns dos outros (Mt 18.15 et seq.; Gl 6.1-2; Ef 4.1-6; Cl 3.16; Hb
10.24-25) e, mais especificamente, uma equipe de presbíteros — liderada pelo
pastor — é responsabilizada pelo governo e cuidado da congregação (At
20.28-31).
Deus orienta que as igrejas funcionem desse modo,
porque é impossível, para um homem só, cuidar de todos os crentes, atender a
todas as necessidades e interagir com todos os problemas de uma comunidade.
Moisés tentou fazer isso, terminou esgotado e com uma congregação descontente.
A solução foi dividir a tarefa com outros (Êx 18.13-26).
Além disso, pastores não são solucionadores de problemas. Não são como
profissionais que têm respostas e soluções para todas as questões relativas às
suas áreas de atuação (na verdade, não existe profissional que conheça toda as
respostas). Pastores não são gurus todo-poderosos, que resolvem tudo para
todos, mas guias espirituais de oração e meditação nas Escrituras, amigos e
companheiros que lideram pelo exemplo e que interagem com os crentes na
caminhada de aperfeiçoamento cristão (confesso que demorei para aprender esse
fato simples: eu
não sou Deus — At
15.8-18). Um pastor é alguém que se coloca ao lado para tentar discernir o que
Deus está fazendo. Mas quem opera salvação, santificação e consolação é Deus,
de quem tanto o pastor quanto os outros membros da igreja são filhos. Um
pastor, ao mesmo tempo em que é líder, é irmão entre irmãos e servo entre
servos.
Biblicamente, as coisas são claras, mas, na rotina
diária da igreja local, tudo fica turvo. É virtualmente impossível conciliar as
exigências múltiplas de estudo, oração, atendimentos, visitações, administração
e liderança estratégica. Como os campos de atuação são muito amplos, o
pastoreio se torna uma das poucas atividades humanas em que você retorna pra
casa, a cada noite, com a certeza de que foi incompetente, de que não conseguiu
fazer tudo o que deveria. Você não manteve devoção suficiente, não orou pelas
pessoas com profundidade e fervor suficientes, não atendeu nem visitou
suficientemente, não administrou nem liderou eficazmente. Sempre há um senão,
sempre uma pendência, sempre uma demanda não atendida. E as poucas coisas que
você conseguiu fazer, fez mal. Converso com outros colegas que compartilham do
mesmo sentimento. Converso com crentes de outras igrejas e ouço, normalmente,
críticas ao trabalho pastoral, confirmando que essa é uma experiência talvez
generalizada.
— Meu pastor só pensa em evangelismo e não alimenta a igreja com
doutrina. Nossa igreja precisa de um pastor mais
teológico.
— Meu pastor só pensa em teologia e não sai do gabinete de estudos.
Nossa igreja precisa de um pastormais evangelista.
— Meu pastor só pensa em campanhas evangelísticas e estudos bíblicos mas
não visita. Nossa igreja precisa de um pastor visitador.
— Meu pastor passa dia e noite na casa dos membros da igreja; ele só
sabe visitar. Nunca o encontramos no gabinete e as pregações são muito fracas.
Precisamos de um pastor que
aconselhe e alimente a igreja com pregações mais densas.
— Meu pastor descuida da administração. Nossa igreja precisa de um
pastor mais
organizado.
— Meu pastor é organizado mas não sabe liderar. Nossa igreja precisa
saber para onde vai; carecemos de um líder
estratégico.
— Meu pastor é muito simples. Nossa igreja precisa de alguém mais sofisticado.
— Meu pastor é muito sofisticado. Nossa igreja precisa de um líder mais simples.
— Meu pastor só
pensa nos jovens. Nossa igreja precisa de um pastor que cuide dos
casais que estão passando por crises.
— Meu pastor só
cuida dos idosos. Nossa igreja precisa de um pastor que fale a
linguagem dos jovens.
E a lista de reclamações é virtualmente infinita. O
pior é que, para tentar resolver a questão, algumas igrejas mudam de pastor a
cada dois ou três anos, na busca do “pastor ideal”. Ao fazer isso, tais
comunidades são confirmadas no infantilismo e fraqueza espiritual.
Creio na providência divina. Tenho convicção de que tudo o que acontece,
a cada dia, encaixa-se no plano perfeito de Deus. Por isso entendo que o Senhor
está indicando que as brechas de atendimento pastoral sempre existirão. Nenhum
pastor conseguirá atender a todas as necessidades de uma igreja, em tempo
algum. Por que? Simples. Cristãos
não são supridos por pastores, mas pelo Supremo Pastor(Sl 23.1; Jo
10.1-18). O Senhor Jesus Cristo é o Pastor Todo-Poderoso, eu sou reles pulga
incompetente, nada mais do que isso. O Senhor Jesus Cristo é quem edifica a
igreja (Mt 16.18), enquanto eu sou mero servo cheio de falhas.
Terceiro, qual o parâmetro para avaliação do trabalho de um
pastor? Isso
decorre diretamente do segundo ponto. Um pastor deve ser avaliado por sua
excelência em tudo ou por sua atuação fiel aos termos gerais do pastorado e ao
seu perfil específico de dons? O pastor que se avalia buscando ser tudo para
todos é engolido pela frustração e desespero. A igreja que deseja um pastor que
seja tudo para todos sucumbe diante do mito do “pastor perfeito” e não consegue
estabelecer relações vitalícias com nenhum obreiro. A avaliação baseada nesse
parâmetro é cruel tanto para o pastor quanto para a igreja local.
Pastores devem ser avaliados por sua fidelidade
a Deus e ao evangelho (1Co
4.1-2). Líderes cristãos devem ser avaliados mais por seu caráter do que por
seu alto nível de desempenho gerencial (1Tm 3.1-13). Isso é assim porque a
igreja não é uma empresa, mas o corpo de Cristo sustentado por graça, não por
méritos (Lm 3.22-23). Pastores lidam com o rebanho graciosamente; o rebanho
deve lidar com o pastor da mesma forma. Ambos convivem em paz e amor, em favor
imerecido.
Pastores devem ser avaliados por sua
responsabilidade e eficiência no uso de seus dons espirituais e perfis de
ministério. Um pastor que possua o dom de ensino, deve ser avaliado
por seu empenho em estudar e transmitir a Palavra com clareza e fidelidade. Um
pastor com um perfil de visitação deve ser avaliado por sua presteza em prestar
ajuda aos membros e acompanhá-los nas diversas fases de suas vidas. Igrejas
precisam aprender a enxergar as virtudes de seus pastores e buscar meios para
cobrir suas deficiências, o que normalmente ocorre com o estabelecimento de uma
equipe de serviço formada por presbíteros regentes, presbíteros docentes,
diáconos e e voluntários possuidores de perfis e dons complementares.
Pastores sofrem com críticas que, no fundo, confirmam exigências para que eles sejam o que não são. Posso
contar alguns “causos” de colegas que foram maltratados por Conselhos que
exigiam deles o que eles não podiam dar e, ao invés de buscarem soluções
bíblicas, honestas, dignas e honrosas, optaram por esquemas de humilhação do
obreiro.
Quarto e último, de onde vem a motivação para o trabalho do
pastor? Este
é o ponto, pois, se o pastoreio envolve o sentimento constante de incompetência
e a possibilidade de críticas e desvalorização por parte das igrejas locais,
qual é a fonte de motivação do pastor?
Antes de assumir o pastoreio de uma igreja por
tempo integral, trabalhei para a iniciativa privada durante 16 anos. No
ambiente empresarial, somos motivados com homenagens, promoções, aumentos de
salário e premiações.
O serviço eclesiástico, porém, é uma esfera
completamente distinta, que exige que o líder espiritual seja motivado
unicamente por Deus. O profeta Jeremias encontrou alento enchendo sua memória
de “tópicos de esperança” e reconhecendo Deus como sua “porção”. Isso o
fortaleceu para suportar o “jugo na sua mocidade” (Lm 3.21, 24-27). Eis um bom
modelo para o pastor. O serviço pastoral é privado de todo reconhecimento ao
mesmo tempo em que recebe tudo; ele encaminha-se no sofrimento ao mesmo tempo
em que é suprido por imensa e misteriosa alegria (2Co 6.4-10).
Certamente o pastor alegra-se e recebe motivação ao
ver os frutos da obra de Deus na igreja (Fp 1.3-6; 1Ts 1.2-10). Além disso, o pastor
recebe motivação quando a igreja colabora com sua liderança (Hb 13.17). Esse,
porém, não é o padrão, nem bíblico, nem histórico. Moisés, Josué, os profetas,
Jesus Cristo e o apóstolo Paulo tiveram de lidar com incompreensões, dissensões
e oposições provindas de seus liderados. Os pastores do passado também
(Jonathan Edwards, repudiado por sua congregação depois de mais de duas décadas
de serviço fiel e dedicado, é um exemplo clássico).
Daí a necessidade de absorção das recomendações e
promessas de 1Pe 5.1-4:
Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu,
presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda
co-participante da glória que há de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus
que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer;
nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos
foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o
Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória.
Nele está nossa competência, nossa motivação, nossa
salvação e nosso prêmio. Apegar-se ao Senhor e às suas promessas, eis o segredo
para a continuidade do ministério pastoral feliz, com coração pacificado e
transbordante de motivação.
Fonte: http://www.misaelbn.com/2015/11/sobre-incompetencia-pastoral/