quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Luiz Sayão fala sobre a síndrome do filho de pastor

 

"A proposta da redenção e da vida eterna que a Bíblia nos apresenta significa esse agir de Deus em função de produzir esse bem maior"
Bacharel em Linguística e Hebraico e mestre em Hebraico pela Universidade de São Paulo, Luiz Alberto Sayão é pastor da Igreja Batista Nações Unidas (São Paulo) e tradutor da Bíblia, tendo coordenado a publicação da Nova Versão Internacional, entre muitos outros trabalhos. Líder evangélico respeitado no Brasil e no mundo, ele também é editor e autor de várias obras, como “Novo Testamento Trilíngue”, “Novo Testamento Esperança” e “Antigo Testamento Poliglota”, “O Problema do Mal no Antigo Testamento”, “Agora Sim: Teologia na Prática do Começo ao Fim” e a “Bíblia de Estudo em Áudio Rota 66”.

Como foi participar da tradução da Nova Versão Internacional da Bíblia?
Na verdade eu trabalhei em três projetos diferentes de Bíblia. Primeiro foi a Nova Versão Internacional. As versões que a gente tinha à disposição na década de 90 eram basicamente variações da feita por João Ferreira de Almeida, uma versão com importância histórica muito grande. Mas, à medida que o tempo passou, ela se tornou menos compreendida do que era anteriormente. Há pessoas que têm mais dificuldade de entender. Isso não é uma realidade só da Língua Portuguesa, mas de outros idiomas. Nos Estados Unidos, iniciou-se um projeto também, chamado de “New International Version”. Como deu certo, abriu espaço para que fossem desenvolvidas iniciativas semelhantes em outras línguas, como Espanhol, Francês e Português. Quando foi sugerido esse projeto em Português, fui indicado. Fui coordenador-geral no projeto, em que empreguei um estilo que tivesse fluidez e que fosse contemporâneo, tendo a base no Grego, no Hebraico e no Aramaico. Foram oito anos de trabalho, com 19 estudiosos atuando na tradução.
O senhor acredita que, apesar de o mal ter a permissão divina, Deus o utiliza para produzir um bem maior? 
Com certeza essa é a convicção maior da cristandade da teologia cristã de todos os séculos. O mal no sentido de sofrimento e de pecado é permitido por Deus em função de Ele ter criado os seres livres. Os humanos fazem suas escolhas reais e, consequentemente, elas podem ser complicadas. Deus permite isso! A proposta da redenção e da vida eterna que a Bíblia nos apresenta significa esse agir de Deus em função de produzir esse bem maior nesse contexto. E isso acontece na prática. Passamos por enfermidades e dificuldades e aprendemos com isso. O crescimento espiritual é bem maior nesse contexto bíblico.
Num de seus artigos, intitulado de “Bendito seja Deus, que não responde orações”, o senhor aponta as reais razões para se fazer uma oração, não somente o fato de o Pai “atender pedidos”. Comente essas razões.
Na Bíblia, temos um pensamento diferente do mágico, sendo que este é ocultista. É como se houvesse uma poção mágica que faz tudo acontecer. Muita gente, inconscientemente, acredita nisso, pensa que basta declarar e determinar que tudo é realizado. Mas não funciona assim. A ideia da oração é muito mais ampla. Oração é um mistério, submissão, exercício de fé e prova de dependência. Um dos fatores interessantes é que Deus responde orações, age com poder, mas algumas Ele não responde. Então, eu brinco com esta expressão: “Bendito seja Deus, que não responde orações”. Se a oração fosse uma arma à disposição de qualquer pessoa, muito vizinho nosso já estaria na Eternidade. Se com esse poder Ele conseguisse que as coisas acontecessem, seria complicado. Iríamos ser como criança mimada, que pede algo que não faz bem e utilizaria essa arma como reforço de seu narcisismo e egocentrismo. O objetivo do artigo é avaliar o objetivo das nossas orações.
Em relação à “síndrome de filho de pastor”, como entender que pessoas que desde crianças são ensinadas nas verdades de Deus tornam-se absolutamente refratárias à Palavra divina? 
Acho que uma boa parte da nossa tradição histórica é um pouco problemática e fora de foco. Na Bíblia, pastor não é ninguém especial. Não é um homem santo. Ele é um homem comum. Ele parece um técnico de futebol, que deve fazer com o que os servos sejam preparados, desenvolvam e amadureçam. Como a nossa tradição e cultura são outras, a gente faz com que essas pessoas sejam elevadas a uma categoria acima dos demais. Assim, elas precisam viver de acordo com as expectativas dos outros. Isso faz com que transfiram as “responsabilidades” para seus filhos, que são cobrados e sofrem pela falta de bom relacionamento e afeto. Por isso, vários filhos de gente religiosa “travam” no meio do caminho e ficam com dificuldade em relação à fé.
Num outro artigo, o senhor diz que “as crianças são pecadoras desde o nascimento, conforme Salmo 51.5. Ninguém nasce inocente. Todos nós somos pecadores por natureza. Portanto, a crença de que as crianças são ‘anjinhos’ não tem fundamento nas Escrituras”. O que isso quer dizer? 
A ideia de que a criança é inocente é católica medieval. A Bíblia não ensina isso. Até por causa da tradução equivocada, que diz “o reino dos céus é delas”. Na verdade, o sentido do original é “dos que são semelhantes a elas” na forma de receber a Palavra. Se não fosse assim, por que precisamos pregar o Evangelho para crianças? É claro que a criança não tem a maldade desenvolvida. Quando uma criança é pecadora, significa que ela é um ser humano com inclinação ao mal. Ninguém se torna pecador depois de certa idade. Você nasce em condições de fragilidade moral. Não é preciso ensinar desobediência a uma criança. Ela aprende sozinha. Ela grita, protesta, fica com raiva, faz pirraça. Então, a criança é humana. É nesse consenso cristão que toda criança nasce na condição de pecadora. Mas não quer dizer que ela seja cruel, quer dizer que ela é um ser humano, tem natureza pecaminosa.
Como o senhor avalia a questão do ministério feminino nas igrejas evangélicas?
Tem um artigo interessante que escrevi, “Nem pastores nem pastoras”, que explica bem o que penso sobre isso. A discussão sobre o ministério feminino, hoje, entra por um caminho muito diferente da do Novo Testamento. O que se pensa é que ser pastor é um privilégio, ser pastor significa estar numa posição elevada e que se os homens têm esse direito, esse privilégio. Logo, imagina-se que as mulheres devem ter também. Acaba surgindo uma disputa para atingir as posições mais elevadas da igreja. O problema é que no Novo Testamento essa ideia não faz o mínimo sentido. A vida pastoral é de serviço. Pastor não tem autoridade nenhuma em si mesmo. Ele tem duas fontes de autoridade: A Palavra divina e a autoridade na comunidade onde ele atua. A igreja é que é a última autoridade, e o pastor representa essa autoridade. Por um lado, existe uma série de elementos de vários textos no Novo Testamento que favorece o envolvimento das mulheres nessas atividades e outros textos que as limitam. É importante que elas estejam envolvidas nesse contexto. Existe na Bíblia um igualitarismo ontológico essencial, mas existe uma hierarquia funcional.
A crise econômica já tem afetado as igrejas, elas já estão sentindo o impacto deste momento. Qual o conselho que o senhor daria às lideranças?
É difícil. A gente não sabe até onde vai o fundo do poço. Temos dois problemas! Um de ordem internacional, que é uma conjuntura que envolve China, Estados Unidos e o mercado internacional, onde o Brasil está inserido. E temos um segundo problema complicado, que é a crise política interna, que tem trazido toda essa confusão e inoperância. Para um momento destes, é preciso sobriedade e bom senso, no sentido de as pessoas saberem caminhar no período das “vacas magras”. Então, se as pessoas estão acostumadas com um estilo “X” de vida, agora precisam viver de forma equilibrada. Além da crise real, há a crise psicológica, em que as pessoas, por pavor, multiplicam a amplitude da crise ainda que inconsciente. Tivemos momentos muito mais difíceis no passado, em que as pessoas conseguiram prosperar. A gente tem de saber qual atitude tomar e não pode se apavorar.
Como o senhor está vendo a prática do Evangelho nas igrejas modernas. Elas estão sendo éticas? 
Temos que ser realistas. A maneira como a gente critica a ética de nossa igreja não está correta. Grande parte dos crentes que frequentam os templos atualmente se tornou cristã há menos de 10 anos. É muita gente nova! E a nossa sociedade, historicamente, tem lacunas éticas, sendo que isso é um problema mundial, e aqui no Brasil não é diferente. Então, não se espera dessa igreja recente progressos éticos extraordinários. Lembrando que pessoas que se tornaram evangélicas recentemente tiveram mudanças em suas vidas para melhor. Há também uma espiritualidade problemática. Quando a espiritualidade é muito alienadora, quando é uma espiritualidade muito desfocada, efervescente e com pouco conteúdo, a ética vai sofrer.
Como o senhor avalia o caso da escrivã americana que se recusou a fazer a certidão de casamento para um casal homoafetivo?
Precisamos separar duas coisas. Uma é a condição homossexual. Se a pessoa tem essa tendência, numa sociedade democrática, tem o direito de dar a sua opinião. Outra coisa é a proposta política do movimento LGBT. Há intenções que vão muito além de se ter simpatia com o público homossexual. A última Parada Gay de São Paulo mostrou atitudes de deboche desnecessário. Então, a pergunta é “para qual lado a lei funciona?”. Assim como os grupos que defendem os homossexuais podem ter direitos de fazer o que querem, os outros grupos também devem ter seus direitos garantidos. Por exemplo, existe uma jornada normal de trabalho, mas se o sujeito é adventista, ele consegue ser respeitado e não trabalhar mais a partir do pôr do sol da sexta-feira. Se a pessoa quer fazer o casamento homossexual, que faça. Se a pessoa não quiser fazer, precisa ser respeitada e ter o direito de não fazer. Ou a gente convive democraticamente com opiniões diferentes ou a gente vai passar por essas situações como a da escrivã injustiçada. Daqui a pouco, quando um juiz decidir que não vai dar a guarda de uma criança para um casal homossexual, ele também poderá ser prejudicado. Ele tem ou não o direito de decidir o que fazer?
E sobre a situação dos refugiados. Aqui no Espírito Santo há um projeto que acolhe refugiados, especialmente os sírios, e os encaminha. O que acha dessa situação?
É uma questão muito ampla. A Síria está um caos, e as potências mundiais não querem resolver essa situação, pois se quisessem teriam resolvido. Então, a gente vai ter uma ebulição na Síria e no Oriente Médio que continuará multiplicando refugiados. É algo muito estranho o que está acontecendo, pois há uma série de países árabes ricos e com muita condição de fazer alguma coisa para os refugiados, como Emirados Árabes, Kuwait, Arábia Saudita. Porém, esses países não estão recebendo ninguém. A Jordânia, por exemplo, abriga mais de 2 milhões de refugiados, mas o primo rico ao lado, a Arábia Saudita, não recebe ninguém. Eles são árabes, têm a mesma cultura e recursos. Penso que a comunidade internacional deveria ter um posicionamento e fazer com que esses países ricos também “paguem a conta” dessa tragédia humanitária. Em relação à vinda para o Ocidente, penso que a situação de necessidade deles é das piores, mas aqui também não está nada bom. Só há um detalhe! Nesse contexto, virão muitos que têm outros objetivos além de se abrigar. É importante lembrar que esses refugiados precisam se adaptar à realidade do local onde eles foram abrigados, pois há alguns lugares na Europa onde as comunidades estrangeiras vindas do Oriente Médio querem implantar a lei deles lá. É preciso deixar claro para eles que precisam viver dentro da realidade do novo país onde viverão.
Fonte: http://www.comunhao.com.br/index.php/materias/156-entrevistas/10990-luiz-sayao-fala-sobre-a-sindrome-do-filho-de-pastor

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