Por
Augustus Nicodemus Lopes
Tomando Decisões
Todos nós tomamos diariamente
dezenas de decisões. Fazemos escolhas, optamos, resolvemos e determinamos
aquilo que tem a ver com nossa vida individual, a vida da empresa e de nossos
semelhantes.
Ninguém faz isso no vácuo.
Antigamente pensava-se que era possível pronunciar-se sobre um determinado
assunto de forma inteiramente objetiva, isto é, isenta de quaisquer preconcepções
ou pré-convicções. Hoje, sabe-se que nem mesmo na área das chamadas ciências
exatas é possível fazer pesquisa sem sermos influenciados pelo que somos,
cremos, desejamos, objetivamos e vivemos.
As decisões que tomamos são
invariavelmente influenciadas pelo horizonte do nosso próprio mundo individual
e social. Ao elegermos uma determinada solução em detrimento de outra, o
fazemos baseados num padrão, num conjunto de valores do que acreditamos ser
certo ou errado. É isso que chamamos de ética.
A nossa palavra "ética"
vem do grego eqikh, que significa um
hábito, costume ou rito. Com o tempo, passou a designar qualquer conjunto de
princípios ideais da conduta humana, as normas a que devem ajustar-se as
relações entre os diversos membros de uma sociedade.
Ética é o conjunto de valores ou
padrão pelo qual uma pessoa entende o que seja certo ou errado e toma decisões.
Alternativas Éticas
Cada um de nós tem uma ética. Cada
um de nós, por mais influenciado que seja pelo relativismo e pelo pluralismo de
nossos dias, tem um sistema de valores interno que consulta (nem sempre, a
julgar pela incoerência de nossas decisões...!) no processo de fazer escolhas.
Nem sempre estamos conscientes dos valores que compõem esse sistema, mas eles
estão lá, influenciando decisivamente nossas opções.
Os estudiosos do assunto
geralmente agrupam as alternativas éticas de acordo com o seu princípio
orientador fundamental. As principais são: humanística, natural e religiosa.
Éticas Humanísticas
Éticas Humanísticas
As chamadas éticas humanísticas
são aquelas que tomam o ser humano como a medida de todas as coisas, seguindo o
conhecido axioma do antigo pensador sofista Protágoras (485-410 AC). Ou seja,
são aquelas éticas que favorecem escolhas e decisões voltadas para o homem como
seu valor maior.
Hedonismo
Uma forma de ética humanística é o hedonismo. Esse sistema
ensina que o certo é aquilo que é agradável. A palavra "hedonismo"
vem do grego |hdonh,
"prazer". Como movimento filosófico, teve sua origem nos ensinos de
Epicuro e de seus discípulos, cuja máxima famosa era "comamos e bebamos
porque amanhã morreremos". O epicurismo era um sistema de ética que
ensinava, em linhas gerais, que para ter uma vida cheia de sentido e
significado, cada indivíduo deveria buscar acima de tudo aquilo que lhe desse
prazer ou felicidade. Os hedonistas mais radicais chegavam ao ponto de dizer
que era inútil tentar adivinhar o que dá prazer ao próximo.
Como consequência de sua ética, os
hedonistas se abstinham da vida política e pública, preferiam ficar solteiros,
censurando o casamento e a família como obstáculos ao bem maior, que é o prazer
individual. Alguns chegavam a defender o suicídio, visto que a morte natural
era dolorosa.
Como movimento filosófico, o hedonismo passou, mas
certamente a sua doutrina central permanece em nossos dias. Somos todos
hedonistas por natureza. Frequentemente somos motivados em nossas decisões pela
busca secreta do prazer. A ética natural do homem é o hedonismo.
Instintivamente, ele toma decisões e faz escolhas tendo como princípio
controlador buscar aquilo que lhe dará maior prazer e felicidade. O
individualismo exacerbado e o materialismo modernos são formas atuais de
hedonismo.
O hedonismo não tem muitos
defensores modernos, mas podemos mencionar Gustav Fechner, o fundador da
psicofísica, com sua interpretação do prazer como princípio psíquico de ação, a
qual foi depois desenvolvida por Sigmund Freud como sendo o princípio operativo
do nível psicoanalítico do inconsciente.
Muito embora o cristianismo
reconheça a legitimidade da busca do prazer e da felicidade individuais,
considera a ética hedonista essencialmente egoísta, pois coloca tais coisas
como o princípio maior e fundamental da existência humana.
Utilitarismo
Outro exemplo de ética humanística é o utilitarismo,
sistema ético que tem como valor máximo o que considera o bem maior para o
maior número de pessoas. Em outras palavras, "o certo é o que for
útil". As decisões são julgadas, não em termos das motivações ou
princípios morais envolvidos, mas dos resultados que produzem. Se uma escolha
produz felicidade para as pessoas, então é correta. Os principais proponentes
da ética utilitarista foram os filósofos ingleses Jeremy Bentham e John Stuart
Mill.
A ética utilitarista pode parecer estar alinhada com o
ensino cristão de buscarmos o bem das pessoas. Ela chega até a ensinar que cada
indivíduo deve sacrificar seu prazer pelo da coletividade (ao contrário do
hedonismo). Entretanto, é perigosamente relativista: quem vai determinar o que
é o bem da maioria? Os nazistas dizimaram milhões de judeus em nome do bem da
humanidade. Antes deles, já era popular o adágio "o fim justifica os
meios". O perigo do utilitarismo é que ele transforma a ética simplesmente
num pragmatismo frio e impessoal: decisões certas são aquelas que produzem
soluções, resultados e números.
Pessoas influenciadas pelo utilitarismo escolherão soluções
simplesmente porque elas funcionam, sem indagar se são corretas ou não.
Utilitaristas enfatizam o método em detrimento do conteúdo. Eles querem saber
como e não por que.
Talvez um bom exemplo moderno seja o escândalo sexual
Clinton/Lewinski. Numa sociedade bastante marcada pelo utilitarismo, como é a
americana, é compreensível que as pessoas se dividam quanto a um impeachment do
presidente Clinton, visto que sua administração tem produzido excelentes
resultados financeiros para o país.
Ainda podemos mencionar o existencialismo, como exemplo de
ética humanística. Defendido em diferentes formas por pensadores como
Kierkegaard, Jaspers, Heiddeger, Sartre e Simone de Beauvoir, o existencialismo
é basicamente pessimista. Existencialistas são céticos quanto a um futuro róseo
ou bom para a humanidade; são também relativistas, acreditando que o certo e o
errado são relativos à perspectiva do indivíduo e que não existem valores morais
ou espirituais absolutos. Para eles, o certo é ter uma experiência, é agir — o
errado é vegetar, ficar inerte.
Sartre, um dos mais famosos existencialistas, disse:
"O mundo é absurdo e ridículo. Tentamos nos autenticar por um ato da
vontade em qualquer direção". Pessoas influenciadas pelo existencialismo
tentarão viver a vida com toda intensidade, e tomarão decisões que levem a esse
desiderato. Aldous Huxley, por exemplo, defendeu o uso de drogas, já que as
mesmas produziam experiências acima da percepção normal. Da mesma forma,
pode-se defender o homossexualismo e o adultério.
O existencialismo é o sistema ético dominante em nossa
sociedade moderna. Sua influência percebe-se em todo lugar. A sociedade atual
tende a validar eticamente atitudes tomadas com base na experiência individual.
Por exemplo, um homem que não é feliz em seu casamento e tem um romance com
outra mulher com quem se sente bem, geralmente recebe a compreensão e a
tolerância da sociedade.
Ética Naturalística
Esse nome é geralmente dado ao sistema ético que toma como
base o processo e as leis da natureza. O certo é o natural — a natureza nos dá
o padrão a ser seguido. A natureza, numa primeira observação, ensina que
somente os mais aptos sobrevivem e que os fracos, doentes, velhos e debilitados
tendem a cair e a desaparecer à medida em que a natureza evolui. Logo, tudo que
contribuir para a seleção do mais forte e a sobrevivência do mais apto, é certo
e bom; e tudo o que dificultar é errado e mau.
Por incrível que possa parecer, essa ética teve defensores
como Trasímaco (sofista, contemporâneo de Sócrates), Maquiavel, e o Marquês de
Sade. Modernamente, Nietzsche e alguns deterministas biológicos, como Herbert
Spencer e Julian Huxley.
A ética naturalística tem alguns pressupostos acerca do
homem e da natureza baseados na teoria da evolução: (1) a natureza e o homem
são produtos da evolução; (2) a seleção natural é boa e certa. Nietzsche
considerava como virtudes reais a severidade, o egoísmo e a agressividade;
vícios seriam o amor, a humildade e a piedade.
Pode-se perceber a influência da ética naturalística
claramente na sociedade moderna. A tendência de legitimar a eliminação dos
menos aptos se observa nas tentativas de legalizar o aborto e a eutanásia em
quaisquer circunstâncias. Os nazistas eliminaram doentes mentais e
esterilizaram os "inaptos" biologicamente. Sade defendia a exploração
dos mais fracos (mulheres, em especial). Nazistas defenderam o conceito da raça
branca germânica como uma raça dominadora, justificando assim a eliminação dos
judeus e de outros grupos. Ainda hoje encontramos pichações feitas por neonazistas
nos muros de São Paulo contra negros, nordestinos e pobres. Conscientemente ou
não, pessoas assim seguem a ética naturalística da sobrevivência dos mais aptos
e da destruição dos mais fracos.
Os cristãos entendem que uma ética baseada na natureza
jamais poderá ser legítima, visto que a natureza e o homem se encontram hoje
radicalmente desvirtuados como resultado do afastamento da humanidade do seu
Criador. A natureza como a temos hoje afasta-se do estado original em que foi
criada. Não pode servir como um sistema de valores para a conduta dos homens.
Éticas Religiosas
São aqueles sistemas de valores que procuram na divindade
(Deus ou deuses) o motivo maior de suas ações e decisões. Nesses sistemas
existe uma relação inseparável entre ética e religião. O juiz maior das
questões éticas é o que a divindade diz sobre o assunto. Evidentemente, o
conceito de Deus que cada um desses sistema mantém, acabará por influenciar
decisivamente o código ético e o comportamento a ser seguido.
Éticas Religiosas Não Cristãs
No mundo grego antigo os deuses foram concebidos
(especialmente nas obras de Homero) como similares aos homens, com paixões e
desejos bem humanos e sem muitos padrões morais (muito embora essa concepção
tenha recebido muitas críticas de filósofos importantes da época). Além de
dominarem forças da natureza, o que tornava os deuses distintos dos homens é
que esses últimos eram mortais. Não é de admirar que a religião grega clássica
não impunha demandas e restrições ao comportamento de seus adeptos, a não ser
por grupos ascéticos que seguiam severas dietas religiosas buscando a
purificação.
O conceito hindu de não matar as vacas vem de uma crença do
período védico que associa as mesmas a algumas divindades do hinduísmo,
especialmente Krishna. O culto a esse deus tem elementos pastoris e rurais.
O que pensamos acerca de Deus irá certamente influenciar
nosso sistema interno de valores bem como o processo decisório que enfrentamos
todos os dias. Isso vale também para ateus e agnósticos. O seu sistema de
valores já parte do pressuposto de que Deus não existe. E esse pressuposto
inevitavelmente irá influenciar suas decisões e seu sistema de valores.
É muito comum na sociedade moderna o conceito de que Deus
(ou deuses?) seja uma espécie de divindade benevolente que contempla com
paciência e tolerância os afazeres humanos sem muita interferência, a não ser
para ajudar os necessitados, especialmente seus protegidos e devotos. Essa
concepção de Deus não exige mais do que simplesmente um vago código de ética,
geralmente baseado no que cada um acha que é certo ou errado diante desse Deus.
A Ética Cristã
Á ética cristã é o sistema de valores morais associado ao
Cristianismo histórico e que retira dele a sustentação teológica e filosófica
de seus preceitos.
Como as demais éticas já mencionadas acima, a ética cristã
opera a partir de diversos pressupostos e conceitos que acredita estão
revelados nas Escrituras Sagradas pelo único Deus verdadeiro. São estes:
1. A
existência de um único Deus verdadeiro, criador dos céus e da terra. A ética
cristã parte do conceito de que o Deus que se revela nas Escrituras Sagradas é
o único Deus verdadeiro e que, sendo o criador do mundo e da humanidade, deve
ser reconhecido e crido como tal e a sua vontade respeitada e obedecida.
2. A
humanidade está num estado decaído, diferente daquele em que foi criada. A
ética cristã leva em conta, na sistematização e sintetização dos deveres morais
e práticos das pessoas, que as mesmas são incapazes por si próprias de
reconhecer a vontade de Deus e muito menos de obedecê-la. Isso se deve ao fato
de que a humanidade vive hoje em estado de afastamento de Deus, provocado
inicialmente pela desobediência do primeiro casal. A ética cristã não tem
ilusões utópicas acerca da "bondade inerente" de cada pessoa ou da
intuição moral positiva de cada uma para decidir por si própria o que é certo e
o que é errado. Cegada pelo pecado, a humanidade caminha sem rumo moral, cada
um fazendo o que bem parece aos seus olhos. As normas propostas pela ética
cristã pressupõem a regeneração espiritual do homem e a assistência do Espírito
Santo, para que o mesmo venha a conduzir-se eticamente diante do Criador.
3. O
homem não é moralmente neutro, mas inclinado a tomar decisões contrárias a
Deus, ao próximo. Esse pressuposto é uma implicação inevitável do anterior. As
pessoas, no estado natural em que se encontram (em contraste ao estado de
regeneração) são movidas intuitivamente, acima de tudo, pela cobiça e pelo egoísmo,
seguindo muito naturalmente (e inconscientemente) sistemas de valores descritos
acima como humanísticos ou naturalísticos. Por si sós, as pessoas são incapazes
de seguir até mesmo os padrões que escolhem para si, violando diariamente os
próprios princípios de conduta que consideram corretos.
4. Deus
revelou-se à humanidade. Essa pressuposição é fundamental para a ética cristã,
pois é dessa revelação que ela tira seus conceitos acerca do mundo, da
humanidade e especialmente do que é certo e do que é errado. A ética cristã
reconhece que Deus se revela como Criador através da sua imagem em nós. Cada
pessoa traz, como criatura de Deus, resquícios dessa imagem, agora deformada
pelo egoísmo e desejos de autonomia e independência de Deus. A consciência das
pessoas, embora frequentemente ignorada e suprimida, reflete por vezes lampejos
dos valores divinos. Deus também se revela através das coisas criadas. O mundo
que nos cerca é um testemunho vivo da divindade, poder e sabedoria de Deus,
muito mais do que o resultado de milhões de anos de evolução cega. Entretanto é
através de sua revelação especial nas Escrituras que Deus nos faz saber acerca
de si próprio, de nós mesmos (pois é nosso Criador), do mundo que nos cerca,
dos seus planos a nosso respeito e da maneira como deveríamos nos portar no
mundo que criou.
Assim, muito embora a ética cristã se utilize do bom senso
comum às pessoas, depende primariamente das Escrituras na elaboração dos
padrões morais e espirituais que devem reger nossa conduta neste mundo. Ela
considera que a Bíblia traz todo o conhecimento de que precisamos para servir a
Deus de forma agradável e para vivermos alegres e satisfeitos no mundo
presente. Mesmo não sendo uma revelação exaustiva de Deus e do reino celestial,
a Escritura entretanto é suficiente naquilo que nos informa a esse respeito.
Evidentemente não encontraremos nas Escrituras indicações diretas sobre
problemas tipicamente modernos como a eutanásia, a AIDS, clonagem de seres
humanos ou questões relacionadas com a bioética. Entretanto, ali encontraremos
os princípios teóricos que regem diferentes áreas da vida humana. É na
interação com esses princípios e com os problemas de cada geração, que a ética
cristã atualiza-se e contextualiza-se, sem jamais abandonar os valores
permanentes e transcendentes revelados nas Escrituras.
É precisamente por basear-se na revelação que o Criador nos
deu que a ética cristã estende-se a todas as dimensões da realidade. Ela
pronuncia-se sobre questões individuais, religiosas, sociais, políticas,
ecológicas e econômicas. Desde que Deus exerce sua autoridade sobre todas as
dimensões da existência humana, suas demandas nos alcançam onde nos acharmos –
inclusive e principalmente no ambiente de trabalho, onde exercemos o mandato
divino de explorarmos o mundo criado e ganharmos o nosso pão.
É nas Escrituras Sagradas, portanto, que encontramos o
padrão moral revelado por Deus. Os Dez Mandamentos e o Sermão do Monte
proferido por Jesus são os exemplos mais conhecidos. Entretanto, mais do que
simplesmente um livro de regras morais, as Escrituras são para os cristãos a
revelação do que Deus fez para que o homem pudesse vir a conhecê-lo, amá-lo e
alegremente obedecê-lo. A mensagem das Escrituras é fundamentalmente de
reconciliação com Deus mediante Jesus Cristo. A ética cristã fundamenta-se na
obra realizada de Cristo e é uma expressão de gratidão, muito mais do que um
esforço para merecer as benesses divinas.
A ética cristã, em resumo, é o conjunto de valores morais
total e unicamente baseado nas Escrituras Sagradas, pelo qual o homem deve
regular sua conduta neste mundo, diante de Deus, do próximo e de si mesmo. Não
é um conjunto de regras pelas quais o homem poderá chegar a Deus – mas é a
norma de conduta pela qual poderá agradar a Deus que já o redimiu. Por ser
baseada na revelação divina, acredita em valores morais absolutos, que são a
vontade de Deus para todos os homens, de todas as culturas e em todas as
épocas.